QUEM LEVA VANTAGEM: VOTO PERSONALISTA OU VOTO PARTIDÁRIO?
- Dornélio Silva (*)

- há 6 horas
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Enquanto em muitos sistemas políticos o partido é a âncora do voto, no Brasil — e especialmente no Pará — quem comanda a escolha é o candidato. O voto personalista, fenômeno eleitoral em que o eleitor escolhe seu candidato baseado predominantemente na pessoa (sua imagem, carisma, trajetória pessoal, conexões locais, promessas diretas, trocas) em detrimento da ideologia ou programa partidário, encontra terreno fértil em nosso cenário político. Uma análise dos dados da pesquisa Doxa realizada em Belém revela com clareza como a identidade partidária é frágil e frequentemente sobrepujada pela força pessoal do postulante.
O retrato de um eleitorado "sem partido"
A pesquisa, realizada com eleitores da capital paraense, apresentou um dado revelador: 46,9% dos entrevistados não se identificam com nenhum partido político. Entre os que declararam preferência partidária, o PT aparece com maior relevância (19,3%), seguido por PL (11,5%), MDB (7,4%), PSDB (4,3%), União Brasil (1,8%) e PSOL (1,2%).
Este cruzamento entre identificação partidária e intenção de voto para governador permite observar até que ponto a preferência por um partido se traduz em apoio ao candidato da mesma legenda. Os resultados são elucidativos.
O descolamento partidário em números
Entre os 19,3% que têm o PT como preferência partidária, apenas 5,1% manifestam intenção de voto em Araceli Lemos (PSOL), enquanto 35,4% declaram voto em Hanna Ghassan (MDB) e 20,2% em Dr. Daniel (PSB).
A situação se repete entre simpatizantes do MDB (7,4%): enquanto 42,9% mantêm coerência votando em Hanna (MDB), expressivos 25,7% transferem seu apoio para Dr. Daniel (PSB).
Mas o caso mais emblemático vem dos 46,9% "sem partido". Entre estes eleitores que não se identificam com nenhuma sigla: 31,5% votariam em Dr. Daniel (PSB); 16,7% em Araceli Lemos (PSOL); 15,8% em Hanna Ghassan (MDB); 4,6% em Mário Couto (PL).
A transversalidade do voto personalista
A tabela abaixo sintetiza como o voto se distribui entre os candidatos conforme a identificação partidária:
MDB 7,4% | NS/SR 6,6% | Nenhum 46,9% | PL 11,5% | PSDB 4,3% | PSOL 1,2% | PT 19,3% | UNIÃO BRASIL 1,8% | |
ARACELI LEMOS (PSOL) | 2,5% | 1,7% | 4,5% | 16,7% | 5,1% | |||
BRANCO NULO | 11,4% | 17,6% | 22,0% | 11,9% | 12,1% | 11,1% | ||
DR. DANIEL (PSB) | 25,7% | 41,2% | 31,5% | 44,1% | 45,5% | 33,3% | 20,2% | 77,8% |
HANNA GHASSAN (MDB) | 42,9% | 5,9% | 15,8% | 6,8% | 22,7% | 16,7% | 35,4% | |
MÁRIO COUTO (PL) | 5,7% | 4,6% | 10,2% | 13,6% | 16,7% | 6,1% | 11,1% | |
NS SR | 14,3% | 35,3% | 23,7% | 25,4% | 13,6% | 16,7% | 21,2% | |
Total | 100,0% | 100,0% | 100,0% | 100,0% | 100,0% | 100,0% | 100,0% | 100,0% |
Os números não são apenas estatísticas — são a materialização do personalismo político. Dr. Daniel atrai votos de todos os espectros, com destaque para 77,8% dos simpatizantes do União Brasil, 45,5% do PSDB, 44,1% do PL e 41,2% dos que não souberam declarar preferência partidária. Esta transversalidade revela um apelo que claramente transcende as fronteiras partidárias.
As implicações do personalismo na democracia brasileira
O caso paraense ilustra um fenômeno nacional: a lealdade partidária é fluida e subordinada ao capital político individual. Isso levanta questões profundas sobre o papel dos partidos no Brasil: seriam eles meras plataformas eleitorais, e não representantes de projetos coletivos? O personalismo fortalece a representação direta ou fragiliza a construção programática?
Os dados confirmam que, no cenário paraense, o voto para governador é altamente personalista e descolado da preferência partidária declarada. Enquanto quase metade do eleitorado declara não se ver em nenhuma sigla, os candidatos que souberem falar diretamente ao cidadão — pela imagem, pela trajetória ou pelas promessas localizadas — colherão os frutos do voto personalista.
Para as eleições de 2026, tudo indica que os candidatos com maior capacidade de construir uma imagem pessoal forte — independentemente de suas legendas — partirão na frente. A lição que emerge dos dados é clara: no Brasil, quem faz a diferença imediata nas urnas nem sempre é o partido, mas sim a pessoa. Resta saber se essa dinâmica fortalece ou enfraquece a construção de projetos políticos consistentes para o futuro do estado e do país.
Dornélio Silva
Cientista Político da DOXA





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